quinta-feira, 12 de julho de 2012

A TROCA
- Olha, eu sou o cara mais dorminhoco do mundo, entendeu? Vou entrando no ônibus e pego no sono. Ainda mais quando a viagem é de noite, entendeu? Quantas horas aí?
- Dez e quarenta.
- Pois é, o ônibus vai sair às onze, isto é, 23 horas, certo? Sinal de que vou puxar um ronco selado. Você é o trocador?
- Sim, senhor.
- Então, o seguinte: tome estas 1.000 pratas aqui pra me fazer um favor.
- Que favor?
- O ônibus vai é para o Rio, né?
- É.
- Dei bobeira e comprei passagem direta até o Rio. Mas acontece que tenho de descer em Juiz de Fora, pois tenho um negócio urgente pra resolver lá, amanhã de manhã.
- E daí?
- Eu quero que você me acorde quando o ônibus chegar em Juiz de Fora.
- Falou, senhor.
- Mas tem o seguinte: eu durmo feito uma pedra. E, quando sou acordado, fico uma fera. Sou desgraçado de nervoso quando me acordam . Mas aí é que você vai trabalhar: me acorde na marra, entendeu? Eu posso aprontar o maior banzé, mas você fique firme: me ponha pra fora nem que seja no tapa.
- Mas o senhor é nervoso assim?
- Claro, tou te falando, pô. Então ficamos combinados: você tá levando aí suas 1.000 pratas, entendeu? Pois é, quando chegar em Juiz de Fora, me acorde no peitoral, entendeu?, Na maior marra, entendeu? E me ponha pra fora do ônibus.
- Pelo jeito vai ser feio.
- Sei que vai. Mas não se importe. A sua obrigação é, digamos, me expulsar do ônibus. Eu fico nervoso uns dez minutos, depois volto ao normal. Posso até brigar com você, o chofer, seja lá quem for, mas me ponha pra fora, entendeu?
- Agora, entendi. Deixe comigo.
Dia seguinte, seis e pouco da manhã, o ônibus pára na rodoviária Novo Rio.
Os passageiros se apressam em descer, tirando as maletas das prateleiras, consertando a roupa, coisa e tal.
Quando o ônibus está quase vazio o trocador vê um passageiro dormindo pesadamente, numa poltrona.
Vai lá e, delicadamente, toca-lhe o ombro.
O passageiro nem se mexe.
O trocador resolve ser mais incisivo: sacode violentamente o passageiro.
- Vamos, companheiro, acorde que já chegamos.
O passageiro acorda estremunhado, limpa os olhos, coça o peito e olha para o lado de fora:
- Chegamos onde, imbecil?
- Ao Rio, pô.
- Ao Rio, desgraçado?
- Sim senhor, estamos no Rio.
O passageiro deu um pulo na cadeira e voou ao pescoço do trocador, começando um processo de estrangulamento.
- Desgraçado, fiedazunha, biltre, irresponsável, desnaturado. Eu te paguei 1.000 pratas pra você me acordar em Juiz de Fora e você me acorda no Rio? Eu te esfolo, eu te estrangulo, eu te estraçalho (…) Eu vou te…
Aí, vêm o chofer e uns poucos que ainda estavam no ônibus para exercer o sagrado direito de integrantes da nunca assaz turma do deixa-disso.
Segura daqui, pega ali, solta acolá, armou-se exemplar frege dentro do veículo.
Um passageiro, desses que não gosta de se envolver em brigas alheias, pegou sua maleta e foi saindo, olhando para trás a ver o final da altercação, quando um carreador, querendo ser amistoso, recebeu-o à porta do ônibus e comentou:
- Poxa, que passageiro nervoso, hein?- Nervoso? – perguntou, com ar irônico, o que estava descendo. – Você precisava ver, passageiro nervoso é o que desceu à força em Juiz de Fora…
(Márcio Rubens Prado. Crônicas Mineiras. São Paulo, Ática, 1984)
Após a leitura do texto e com o auxílio de um dicionário, resolva as questões a seguir.
1. Substitua cada palavra, em negrito, da frase abaixo por outra de igual sentido:
Tão logo se iniciou a altercação entre os dois dos integrantes do conjunto, o líder do grupo acordou e, mesmo estremunhado, conseguiu ser incisivo ao falar na questão disciplinar, conseguindo, assim, evitar o frege que se formava.
2. Dê continuidade ao preenchimento das lacunas com a palavra em negrito da frase anterior, em que deverá ser utilizada a terminação
–idade.  Exemplo:
a. O passageiro disse que volta ao normal depois.
b. Pode ser que volte à normalidade, mas isso não parece simples.
c. Pode não haver _________________ nisso, mas eu sou capaz de…
d. Não duvido da sua ___________________, mas essa ideia foi infeliz.
e. Ganhar mil pratas é ___________________? A grana chegou fácil.
f. Houve ___________________ até agora, mas o homem pode ficar feroz.
g. Pelas mil pratas eu enfrento a ____________________ dele. Eu sou responsável…
h. Então, use a sua _________________________, pois estamos em Juiz de Fora…
3. No texto aparecem três verbos: esfolar, estrangular e estraçalhar. Dê o significado de cada um.
4. Preencha as lacunas utilizando adequadamente uma das palavras abaixo:
Matinal, matutino/matutina, vesperal, vespertino/vespertina, noturno/noturna
  1. Durmo como uma pedra, ainda mais quando a viagem é _______________
  2. É duro levanter cedo par air à aula no turno _________________________
  3. Atenção, pessoal! Hoje, às quinze horas, haverá _____________dançante.
  4. Dormirei das oito às dezesseis horas para enfrentar o trabalho _______________
  5. Abri a janela e senti o frescor da brisa __________________ em meu rosto.
  6. Eu estudo até o meio-dia e posso trabalhar no período ______________________
5. Identifique, no texto, as palavras que possuem estes significados:
  1. fraco de inteligência, atrasado mental = ______________________
  2. vil, infame, desprezível = __________________________________
  3. desumano, cruel, insensível = ______________________________
  4. sarcástico, zombeteiro, gozador = ___________________________
6. Por que o passageiro deu gorjeta ao trocador se já tinha a passagem comprada?
7. Com as explicações do passageiro, o trocador pode antever a cena que ocorreria em Juiz de Fora e deu antecipadamente sua opinião. Qual foi?
a. (   ) Mas o senhor é nervoso assim?
b. (   ) Pelo jeito vai ser feio.
c. (   ) Agora entendi. Deixe comigo.
d. (   ) Sim, senhor, estamos no Rio.
8. O trocador tinha a obrigação de providenciar o desembarque do passageiro em Juiz de Fora? Explique.
9. Um dos passageiros revelou a causa da irritação do outro passageiro, ao final da viagem, com o seguinte comentário: “ – Você precisava ver, passageiro nervoso é o que desceu à força em Juiz de Fora…”. Esclareça o que aconteceu.

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